quinta-feira, 27 de setembro de 2007

Das Vantagens de ser bobo






Das Vantagens de Ser Bobo
(por Clarice Lispector)

O bobo, por não se ocupar com ambições, tem tempo para ver, ouvir tocar no mundo.

O bobo é capaz de ficar sentado quase sem se mexer por duas horas. Se perguntado por que não faz alguma coisa, responde: "Estou fazendo, estou pensando."

Ser bobo às vezes oferece um mundo de saída porque os espertos só se lembram de sair por meio da esperteza, e o bobo tem originalidade, espontaneamente lhe vem a idéia.

O bobo tem oportunidade de ver coisas que os espertos não vêem.
Os espertos estão sempre tão atentos às espertezas alheias que se descontraem diante dos bobos, e estes os vêem como simples pessoas humanas.

O bobo ganha utilidade e sabedoria para viver.
O bobo parece nunca ter tido vez. No entanto, muitas vezes, o bobo é um Dostoievski.

Há desvantagem, obviamente. Uma boba, por exemplo, confiou na palavra de um desconhecido para a compra de um ar refrigerado de segunda mão: ele disse que o aparelho era novo, praticamente sem uso porque se mudara para a Gávea onde é fresco. Vai a boba e compra o aparelho sem vê-lo sequer. Resultado: não funciona. Chamado um técnico, a opinião deste era que o aparelho estava tão estragado que o concerto seria caríssimo: mais vale comprar outro.

Mas, em contrapartida, a vantagem de ser bobo é ter boa-fé, não desconfiar, e portanto estar tranquilo. Enquanto o esperto não dorme à noite com medo de ser ludibriado.
O esperto vence com úlcera no estômago. O bobo não percebe que venceu. Aviso: não confundir bobos com burros.
Desvantagem: pode receber uma punhalada de quem menos espera. É uma das tristezas que o bobo não prevê. César terminou dizendo a célebre frase: "Até tu, Brutus?"

Bobo não reclama. Em compensação, como exclama!

Os bobos, com todas as suas palhaçadas, devem estar todos no céu. Se Cristo tivesse sido esperto não teria morrido na cruz.

O bobo é sempre tão simpático que há espertos que se fazem passar por bobos. Os espertos ganham dos outros. Em compensação, os bobos ganham a vida.

Bem-aventurados os bobos porque sabem sem que ninguém desconfie. Aliás não se importam que saibam que eles sabem.

Há lugares que facilitam mais as pessoas serem bobas (não confundir bobo com burro, com tolo, com fútil). Minas Gerais, por exemplo, facilita ser bobo. Ah, quantos perdem por não nascer em Minas!
Bobo é Chagall, que põe vaca no espaço, voando por cima das casas.
É quase impossível evitar excesso de amor que o bobo provoca. É que só o bobo é capaz de excesso de amor. E só o amor faz o bobo.

"Eu adoro gente inteligente, mentes pensantes
que vivem se aprimorando para o bem viver.
Gente eloqüente, carismática sempre a serviço
da beleza da expressão da alma, dos sentimentos
mais profundos e da arte de expor com vivacidade,
justeza, as pinturas de seus pensamentos e emoções."

Não me importa

Não me importa o que você faz para viver.
Eu quero saber o que você deseja ardentemente, e se você ousa sonhar em fazer aquilo que o seu coração pede.
Não me interessa saber quantos anos você tem.
Eu quero saber se você vai correr o risco de parecer tolo ao ir ao encontro do amor, dos seus sonhos ou da aventura de estar vivo.
Não me interessa quantos planetas estão em quadraturas com a sua Lua.
Eu quero saber se você já tocou no centro da sua própria dor, se já foi aberto pelas traições da vida ou se murchou e se fechou de medo de sentir mais dor.
Eu quero saber se você agüenta sentir a dor, minha ou sua mesmo, sem tentar esconde-la, disfarçá-la ou resolvê-la.
Eu quero saber se você consegue sentir alegria, minha ou sua mesmo, se você dança cm paixão, permitindo se deixar arrebatar até as pontas dos pés, sem tentar ser cuidadoso, realista ou sem tentar lembrar das limitações do ser humano.
Não me interessa se a história que você está me contando é verdadeira.
Eu quero saber se você tem coragem de desapontar uma pessoa para ser verdadeiro com você mesmo, se você consegue ser acusado de traição para não trair a sua própria alma; eu quero saber se você consegue ser leal e, portanto, digno de confiança.
Eu quero saber se você consegue ver beleza mesmo quando todos os dias não forem bons, e se você consegue fazer da presença da sua própria vida o seu ponto de partida.
Eu quero saber se você consegue conviver com o fracasso, meu ou seu, e ainda ficar e pé na beira de um lago e gritar para a Lua cheia prateada: ¿Tudo Bem!¿.
Não me interessa saber onde você mora ou quanto você ganha.
Eu quero saber se você consegue se levantar depois de uma noite de aflição e desespero, exausto e ferido até a alma, e fazer o que é preciso ser feito para as crianças.
Não me interessa saber quem você é ou como veio parar aqui.
Eu quero saber se você vai ficar no meio do fogo comigo sem se acovardar.
Não me interessa onde, o quê, nem com quem você estudou.
Eu quero saber o que te sustenta por dentro quando tudo mais cair por terra.
Eu quero saber se você consegue ficar sozinho com você mesmo, e se você aprecia de verdade a sua companhia nos momentos em que a vida não faz sentido.